Caros Estudantes,
Na última segunda-feira, 25/04/2011, um grupo de quase 100 estudantes da nossa escola - O Centro Educacional 02 / Guará - acompanhados por alguns de seus professores foram assistir a exibição de 3 filmes no Museu da República por conta das comemorações dos 51 anos da capital federal, sob a curadoria de Berê Bahia, a saber: "A Invenção de Brasília" de Renato Barbieri, "A Volta do Candango" de Filipe Contijo e Eric Aben-Athar e "O Engenho de Zé Lins" do grande Vladimir Carvalho.
Por perceber questões que permitem retomar os temas do nosso curso de Geografia do Brasil (nas turmas de segundo ano, principalmente), gostaria de fazer alguns comentários sobre o longa-metragem do brasiliense Vladimir.
Trata-se de um filme que tenta refazer a trajetória de vida do escritor José Lins do Rego, cuja produção artística teve início durante os movimentos literários do "Romance de 30", auge do regionalismo nordestino, correspondente à segunda fase do modernismo Brasileiro.
À época, do ponto de vista da historiografia literária ao menos, o Brasil era divido em duas regiões: o Norte e o Sul. Essa regionalização (um tema bastante geográfico, como estamos vendo no nosso curso em 2011) polarizou os debates entre modernistas e regionalistas.
Foi no início dos anos 30 que vivemos uma grande depressão econômica mundial (1929-30) e que obrigou o Brasil, sob a condução do Presidente Getúlio Vargas, criar um modelo de desenvolvimento econômico nacionalista, diminuindo a dependência do país da economia internacional. São Paulo (e o Sudeste) se tornou o grande centro da economia, fazendo com que as outras regiões brasileiras assumissem a condição de sua periferia. O Auge do regionalismo nordestinho deu-se, portanto, da experiência trágica e dramática das repercussões que o modelo econômico adotado no mundo e no Brasil produziram localmente. Os engenhos de açúcar tonaram-se usinas, cujo trabalho - agora mecânico - dispensou grande parte da mão-de-obra camponesa. Daí os intensos fluxos migratórios em direção às capitais nordestinas e, principalmente, para o Rio de Janeiro e São Paulo. Os camponeses tornaram-se operários nas fábricas e indústrias do Sudeste. A economia regional do Nordeste entrou em estagnação, decadência, passando a fornecer mão-de-obra para o Sudeste ou tornando-se consumidora dos produtos por ele produzidos.
Os grandes escritores da literatura regionalista do Nordeste, como José Lins do Rego, transfiguraram para o mundo da escrita a realidade dessas transformações sociais, políticas, econômicas, sobretudo, espirituais, que levaram a economia regional ao declínio. Embora nascido na Paraíba em 1901, Lins foi fanático torcedor do Flamengo, time carioca. Esse dado biográfico por si só põe a nu toda a problemática da relação centro-periferia, Sudeste-Nordeste. Lins, membro da aristocracia rural, latifundiária, também foi migrante. Viveu boa parte da sua vida no Rio de Janeiro. Assim, o fenômeno da industrialização atingiu, além dos ditos "pobres e miseráveis" camponeses nordestinos, as classes dominantes da economia açucareira.
Outro elemento abordado no documentário chama a atenção pelas relações possíveis com a história e a geografia: o Engenho Tapuá que serviu de casa e cenário ao escritor e à literatura, respectivamente, não se transformou em usina (se modernizando), ao contrário, foi abandonado, se tornando ruína de um passado alhures, quase mítico. Outro escritor, Ariano Suassuna, por exemplo, faz contundente crítica ao governo brasileiro por conta do desinteresse deste na preservação (não só parte da história literária) do nosso patrimônio arquitetônico, que representa os tempos áureos da economia açucareira nordestina e do qual José Lins do Rêgo foi testemunha. Vale também observar o fato de que o antigo engenho da família Lins transformou-se em área empossada pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), os camponeses que resistiram aos imperativos migratórios que a industrialização e urbanização do Sudeste fez valer. Muitos são herdeiros direitos dos Antônios Conselheiros, Zumbis, Marias Bonitas e Lampiões, já que a história da luta pela terra, sobretudo no Nordeste, é das mais antigas e contraditórias do país e, pior, sem solução democrática que respeite os direitos sociais e humanos previstos na Constituição Federal.
Com esses apontamentos espero ter sinalizado a vocês algumas possibilidades de encontro entre geografia, história e literatura durante a exibição de um filme, apontando como essas áreas, das artes e das ciências, podem caminhar juntas.
José Lins do Rêgo escreveu importantes livros como Menino de engenho (1932), Usina (1936), Riacho doce (1939), Fogo morto (1943) e Cangaceiros (1953).
Se quiserem aprofundar estudos sobre o movimento cultural no Brasil dos anos de 1930, o ex-professor da Universidade de São Paulo, dos mais importantes críticos da literatura brasileira, embora com formação acadêmica em sociologia, Antônio Candido, escreveu importante ensaio intitulado "A Revolução de 30 e a Cultura", publicado em A Educação Pela Noite & Outros Ensaios. Rio de Janeiro: Ouro sobre Azul, 2006.